terça-feira, 24 de abril de 2012

A experiência da leitura

Por Daniel Arcades

Quando li "Capitães da Areia" pela primeira vez tinha uns dez anos. Estudava no antigo Instituto Educacional de Alagoinhas - IEA e estava na quarta série. Não, nenhuma professora tinha me recomendado ler livro algum de Jorge Amado com tão pouca idade, até porque, com certeza, algum pai que esquece das sapiências da infância iria processá-la, fazer furdunço e coisa e tal. Eu visitava todos os dias a biblioteca da escola após a aula e ficava até 12:20 (horário que o ginásio era liberado) lendo livros e conversando com a bibliotecária Nilza (acho que era assim o nome dela). Na maioria das vezes, ficava lendo a Barsa e procurando coisas que não conhecia como célula, Gram Bell e ornitorrinco. Um dia, eu perguntei se podia ver os livros que o Ensino Médio lia, a biblioteca disse que sim, mas que eu não ia poder levá-los para casa.
Já tinha ouvido falar de Jorge Amado e me deparei com a coleção completa dos livros dele. Lembro muito bem das páginas amareladas, da capa de napa vermelha e das letras carimbadas na lateral dos livros. Um me chamou a atenção pelo nome: Capitães da areia. O que teria aquele livro? Areia da onde? Do mar? Capitães de quê? Do Exército? Não sabia do que se tratava.
Peguei o livro da estante e sentei em uma mesa. Folheei ele por inteiro (algo que faço até hoje com todos os meus livros) e depois comecei a lê-lo.
Que estranho, um livro que tinha uma manchete de jornal no lugar da narração! Pensei em pular aquela parte, pois achei que devia ter sido um erro da gráfica, mas decidi ler a tal notícia. Ali, entendi tudinho dos capitães da areia, eram crianças que roubavam na cidade e aterrorizavam a todos. Caramba, tinha brincado tanto de menino ladrão no meu programa de televisão imaginário que durava 24 horas por dia e estava ali, de frente para uma história de meninos ladrões. Continuei lendo.
Li umas duas páginas e bateu 12:20. Biblioteca fechada. Passei mais de um mês indo lá todos os dias para ler umas dez páginas de Capitães da Areia por dia. Quando terminei, disse: Li meu primeiro livro de gente grande! E nada me assustou!
Fiquei fascinado por aqueles momentos e encenava muitos deles em casa enquanto tomava banho: o assalto da casa dos pais adotivos do Sem-perna, a noite de Pedro Bala com Dora, o Professor desenhando nas ruas... Foi fascinante ler aquele livro.

Três anos depois, me deparo na escola com o cartaz do espetáculo "Capitães da Areia" dirigido por Lelo Filho e Fernanda Paquelet. Insisti para meu pai me levar de qualquer jeito para  teatro e ele não queria alegando que a peça custava muito caro ( dez reais a inteira e cinco a meia. Eu e meu pai: quinze reais). Fui para a escola decepcionado porque queria ir assistir e confessei a minha professora de Português, Lília Kelly, que queria muito, mas muito mesmo ir ver o espetáculo. Ela se disponibilizou para ir comigo, meu pai só tinha que me levar até a casa dela. Cheguei em casa todo animado e assim foi, ele ia me dar os cinco reais para eu assistir a peça e me levar até a casa da professora para irmos juntos.
Chegando a casa da pró, ele decidiu ir junto e quer saber: adorou o espetáculo. Percebeu que valia a pena gastar os quinze reais para ver tamanha beleza. E eu, bom, via ali pela primeira vez uma peça de teatro profissional. E dizia para mim mesmo: É com isso que eu vou trabalhar para o resto da minha vida.

Elenco da montagem baiana de Capitães da Areia, 2003


Capitães da Areia foi o meu primeiro "livro de gente grande" e a minha primeira "peça profissional". Devo muito a esta obra de Jorge Amado.


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