Infância grapiúna:
entre a fazenda de cacau e o mar da Bahia
Jorge Amado
nasceu em 10 de agosto de 1912, na fazenda Auricídia, em Ferradas, distrito de
Itabuna, filho de João Amado de Faria e Eulália Leal. O pai havia migrado de
Sergipe para se tornar fazendeiro de cacau na Bahia. Além de Jorge, o primeiro
filho, o casal teve Jofre, que morreu aos três anos, Joelson e James. Antes que
o primogênito completasse dois anos, a família mudou-se para Ilhéus, fugindo de
uma epidemia de varíola (a “bexiga negra”).
No litoral sul
da Bahia, a “nação grapiúna”, o menino Jorge Amado ganhou intimidade com o mar,
elemento fundamental de seus livros, e viveu algumas de suas experiências mais
marcantes. Cresceu em meio a lutas políticas, disputas pela terra e brigas de
jagunços e pistoleiros. Seu pai foi baleado em uma tocaia. Em companhia do
caboclo Argemiro, que nos dias de feira o colocava na sela e o levava a
Pirangi, o menino conheceu as casas de mulheres e as rodas de jogo.
A região
cacaueira seria um dos cenários preferidos do autor, atravessando toda sua carreira
literária, em livros como Terras do sem-fim, São Jorge dos Ilhéus, Gabriela,
cravo e canela e Tocaia Grande, nos quais relata as lutas, a crueldade, a
exploração, o heroísmo e o drama associados à cultura do cacau que floresceu na
região de Ilhéus nas primeiras décadas do século XX.
Os anos de
aprendizado e a descoberta da paixão pelas letras
Jorge Amado tomou
contato com as letras através da mãe, que o alfabetizou pela leitura de
jornais. Completou os estudos iniciais num internato religioso: com onze anos
foi mandado a Salvador para estudar no Colégio Antônio Vieira.
Apesar da sensação
de encarceramento e da saudade que sentia da liberdade e do mar de Ilhéus, o
menino experimentou ali a paixão pelos livros. Seu professor de português era o
padre Luiz Gonzaga Cabral, que lhe emprestou livros de autores como Charles
Dickens, Jonathan Swift, José de Alencar e clássicos portugueses. O padre
Cabral foi o primeiro a sentenciar que Jorge Amado se tornaria escritor, ao ler
uma redação de seu aluno, intitulada “O mar”.
Em 1924, o
menino fugiu do internato e passou dois meses percorrendo o sertão baiano.
Viajou até Itaporanga, em Sergipe, onde morava seu avô paterno, José Amado. Seu
tio Álvaro, uma das figuras mais importantes de sua infância, foi buscá-lo na
fazenda do avô.
Depois de
transferir-se para outro internato, o Ginásio Ipiranga, em 1927 Jorge Amado foi
morar em um casarão no Pelourinho, em Salvador. O prédio serviria de inspiração
ao seu terceiro romance, Suor, publicado em 1934.
Estreia como
profissional da palavra
Aos catorze anos,
Jorge Amado conseguiu seu primeiro emprego: repórter policial no Diário da
Bahia. Em seguida, passou a trabalhar em O Imparcial. Nessa época, participava
intensamente da vida popular e da boemia de Salvador, freqüentava “casas de raparigas”,
botecos, feiras e costumava sair com os pescadores em seus saveiros.
Em 1928, fundou
com amigos a Academia dos Rebeldes, reunião de jovens literatos que pregavam
“uma arte moderna, sem ser modernista”, antecipando a ênfase social e o teor realista
que caracterizariam o romance do Movimento de 30. O grupo era liderado pelo
jornalista e poeta Pinheiro Viegas e dele faziam parte Sosígenes Costa, Alves
Ribeiro, Guilherme Dias Gomes, João Cordeiro, o etnólogo Edison Carneiro, entre
outros. Foi este último quem apresentou Jorge Amado ao pai-de-santo Procópio,
de quem o escritor recebeu seu primeiro título no candomblé: ogã de Oxóssi.
A descoberta do
candomblé, religião celebrativa em que não existe a noção do pecado, e o
contato com as tradições afro-brasileiras e com a história da escravidão
levaram Jorge Amado a desenvolver uma visão específica da Bahia - e do Brasil
-, que perpassa toda a sua criação literária: uma nação mestiça e festiva.
Os primeiros livros
A primeira obra
publicada por Jorge Amado foi a novela Lenita (1929), escrita em co-autoria com
Edison Carneiro e Dias da Costa. O texto saiu nas páginas de O Jornal, e o
escritor usou o pseudônimo Y. Karl para assiná-lo. Mais tarde, preferiu não
incluir o texto na lista de suas obras completas. “É uma coisa de criança. Nós
éramos muito meninos quando fizemos Lenita”, diria Jorge Amado sobre a obra.
Em 1931, aos
dezoito anos, lançou seu primeiro livro, O país do Carnaval, publicado pelo
editor Augusto Frederico Schmidt. O romance é considerado sua verdadeira
estréia literária. No mesmo ano, Jorge Amado ingressou na Faculdade de Direito
do Rio de Janeiro, cidade onde passou a residir. Embora tenha se formado
advogado, nunca exerceu a profissão.
Em 1932, desistiu de editar o romance Rui
Barbosa n. 2, aconselhado por amigos que acharam o texto muito similar ao livro
de estréia. No mesmo ano, após visitar Pirangi, povoado que viu nascer próximo
a Itabuna, decide escrever sobre os trabalhadores da região. Com Cacau (1933),
Jorge Amado dá início ao ciclo de livros que retratam a civilização cacaueira.
O círculo de amizades
do Movimento de 30
Em meio à
efervescência cultural do Rio de Janeiro, então capital do país, Jorge Amado
travou amizade com personalidades da política e das letras, como Raul Bopp,
José Américo de Almeida, Gilberto Freyre, Carlos Lacerda, José Lins do Rego e
Vinicius de Moraes.
A convivência
com o chamado Movimento de 30 marcou profundamente sua personalidade e a
preocupação que reteve com os problemas brasileiros. Jorge Amado viajou até
Maceió especialmente para conhecer Graciliano Ramos. Nesse período, a escritora
Rachel de Queiroz lhe apresentou aos ideais igualitários do comunismo.
Em 1934, com a
publicação de Suor, sua ficção aventurou-se pela realidade urbana e degradada
da capital Salvador. Dois anos depois, lançou Jubiabá, romance protagonizado
por Antônio Balduíno, um dos primeiros heróis negros da literatura brasileira.
Aos 23 anos, Jorge Amado começou a ganhar fama e projeção: o livro tornou-se
seu primeiro sucesso internacional. Publicado em francês, foi elogiado pelo
escritor Albert Camus em artigo de 1939.
Militância, censura e
perseguições
Sensibilizado com
as fortes desigualdades sociais do país, em 1932 Jorge Amado filiou-se ao
Partido Comunista Brasileiro (PCB). Quatro anos depois foi preso pela primeira
vez, no Rio de Janeiro, acusado de participar da Intentona Comunista. O ano era
1936, e Jorge Amado publicou um de seus livros mais líricos, Mar morto,
protagonizado pelo mestre de saveiro Guma. O livro inspirou o amigo Dorival
Caymmi a compor a música “É doce morrer no mar”.
O romancista
casou-se em 1933 com Matilde Garcia Rosa, na cidade de Estância, em Sergipe.
Com ela, Jorge Amado teve uma filha, Eulália Dalila Amado, nascida em 1935 e
falecida subitamente com apenas catorze anos.
Em meados dos
anos 30, Jorge Amado fez uma longa viagem pelo Brasil, pela América Latina e
pelos Estados Unidos, durante a qual escreveu Capitães da Areia (1937). Ao
retornar, foi preso novamente, devido à supressão da liberdade política
decorrente da proclamação do Estado Novo (1937-50), regime de exceção
instituído por Getúlio Vargas. Em Salvador, mais de mil exemplares de livros de
Jorge Amado foram queimados em praça pública pela polícia do regime.
Libertado em
1938, Jorge Amado transferiu-se do Rio para São Paulo, onde passou a dividir
apartamento com o cronista Rubem Braga. Voltou a morar no Rio de Janeiro, e
entre 1941 e 1942 exilou-se no Uruguai e na Argentina, onde escreveu a
biografia de Luís Carlos Prestes, O cavaleiro da esperança, publicada
originalmente em espanhol, em Buenos Aires, e proibida no Brasil. Ao retornar
ao país, foi detido pela terceira vez, agora em regime de prisão domiciliar, na
Bahia. Em 1943, escreveu para a coluna “Hora da guerra”, nas páginas de O
Imparcial. No mesmo ano, o romance Terras do sem-fim foi o primeiro livro a ser
publicado e vendido depois de seis anos de proibições às obras do autor.
A união com Zélia e a
atividade política
Em 1944, Jorge
Amado separou-se de Matilde, após onze anos de casamento. No ano seguinte, em
São Paulo, chefiava a delegação baiana no I Congresso Brasileiro de Escritores
quando conheceu Zélia Gattai. A escritora se tornaria o grande amor de sua vida.
Em 1947, nasceu o primeiro filho do casal, João Jorge. Quando o menino
completou um ano, recebeu de presente do pai o texto O Gato Malhado e a
Andorinha Sinhá, com desenhos de Carybé. Com Zélia, Jorge Amado teve também a
filha Paloma, nascida em 1951, na Tchecoslováquia. Jorge e Zélia oficializaram
a união apenas em 1978, quando já eram avós.
Em 1945, Jorge
Amado foi eleito deputado federal pelo PCB para a Assembléia Constituinte.
Assumiu o mandato no ano seguinte, e algumas de suas propostas, como a que
instituiu a liberdade de culto religioso, foram aprovadas e viraram leis.
Alguns anos depois, porém, o partido foi colocado na clandestinidade e Jorge
Amado teve o mandato cassado. Em 1948, partiu para a Europa e fixou-se em
Paris. Durante o período de exílio voluntário, conheceu Jean-Paul Sartre e
Picasso, entre outros escritores e artistas. Em 1950, o governo francês
expulsou Jorge Amado do país, por motivos políticos.
O autor passou a
morar na Tchecoslováquia, e nos anos seguintes viajou pelo Leste Europeu,
visitando a União Soviética, a China e a Mongólia. Escreveu seus livros mais
engajados, como a trilogia Os subterrâneos da liberdade, publicada em 1954. Em
1956, após as denúnicias de Nikita Khruchióv contra Stálin no 20o Congresso do
Partido Comunista da União Soviética, Jorge Amado se desliga do PBC.
Humor, sensualismo e
a contestação feminina
A partir do final
da década de 50, a literatura de Jorge Amado passou a dar mais relevo ao humor,
à sensualidade, à miscigenação e ao sincretismo religioso. Apesar de não terem
estado ausentes de sua literatura, esses elementos passam agora a ocupar o
primeiro plano, e seus romances apresentam um posicionamento político mais
nuançado. Gabriela, cravo e canela, escrito em 1958, marca essa grande mudança.
O escritor, porém, preferia dizer que com Gabriela houve “uma afirmação e não
uma mudança de rota”.
Nessa época,
Jorge Amado passou a se interessar cada vez mais pelos ritos afro-brasileiros.
Em 1957, conheceu Mãe Menininha do Gantois, e em 1959 recebeu um dos mais altos
títulos do candomblé, o de obá Arolu do Axé Opô Afonjá. No mesmo ano, saiu na
revista Senhor a novela A morte e a morte de Quincas Berro Dágua, considerada
uma obra-prima, que depois seria publicada junto com o romance O
capitão-de-longo-curso no volume Os velhos marinheiros (1961). Mais tarde,
viriam algumas de suas obras mais consagradas, como Dona Flor e seus dois
maridos (1966), Tenda dos Milagres (1969), Tereza Batista cansada de guerra
(1972) e Tieta do Agreste (1977).
A nova fase de
sua literatura compreende os livros protagonizados por figuras femininas, ao
mesmo tempo sensuais, fortes e contestadoras. As mulheres inventadas por Jorge
Amado consagraram-se no imaginário popular e ganharam as telas da televisão e
do cinema. Nas décadas de 70, 80 e 90, os livros do autor viraram filmes e
novelas, em adaptações realizadas por Walter George Durst, Alberto D’Aversa,
Marcel Camus, Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Bruno Barreto, Aguinaldo
Silva, Luiz Fernando Carvalho, entre outros diretores e roteiristas. Glauber
Rocha e João Moreira Salles realizaram documentários sobre o escritor.
A casa do Rio Vermelho e a vida entre Salvador e Paris
Jorge Amado
vendeu os direitos de filmagem do livro Gabriela, cravo e canela para a
Metro-Goldwyn-Mayer, em 1961. Com o dinheiro, comprou um terreno em Salvador e
construiu uma casa, onde passou a morar com a família em 1963. A casa da rua
Alagoinhas, no bairro do Rio Vermelho, era também uma espécie de centro
cultural. Além de abrigar um grande acervo de arte popular, Jorge Amado e Zélia
recebiam amigos artistas e intelectuais, e abriam as portas até para
admiradores desconhecidos, de vários lugares do Brasil e do mundo.
Em 1983, Jorge e
Zélia passaram a viver metade do ano em Paris, metade na Bahia. Na Europa, o
escritor era reconhecido e celebrado como um dos maiores romancistas
brasileiros. Usava o seu apartamento no charmoso bairro do Marais, um lugar
mais tranqüilo que sua movimentada casa em Salvador, como um refúgio para
escrever.
Durante a década
de 80, Jorge Amado escreveu O menino grapiúna, suas memórias de infância, e o
romance Tocaia Grande, dois livros que retomam o tema da cultura cacaueira que
marcou o início de sua carreira literária. Nessa época escreveu também O sumiço
da santa. Em 1987, foi inaugurada a Fundação Casa de Jorge Amado, com sede em
um casarão restaurado no Pelourinho. A Fundação possui em seu acervo
publicações sobre o escritor, como teses, ensaios e outros textos acadêmicos,
artigos de imprensa, registro de homenagens e cartas.
Os últimos anos
No começo da
década de 90, Jorge Amado trabalhava em Bóris, o vermelho, romance que não
chegou a concluir, quando redigiu as últimas notas de memória que compõem
Navegação de cabotagem, publicado por ocasião de seus oitenta anos. Em 1992
recebeu de uma empresa italiana a proposta de escrever um texto de ficção sobre
os quinhentos anos do descobrimento da América. Produziu a novela A descoberta
da América pelos turcos, publicada no Brasil em 1994.
Durante a década
de 90, a filha Paloma, ao lado de Pedro Costa, reviu o texto de suas obras
completas, a fim de suprimir os erros que se acumularam ao longos dos anos e
das sucessivas edições de seus livros. Em 1995, o autor foi agraciado com o
Prêmio Camões, uma das maiores honrarias da literatura de língua portuguesa.
Em 1996, Jorge
Amado sofreu um edema pulmonar em Paris. Na volta ao Brasil, foi submetido a
uma angioplastia. Depois, recolheu-se à casa do Rio Vermelho, com um quadro
clínico agravado pela cegueira parcial, que o deprimiu por impedi-lo de ler e
escrever.
O escritor
morreu em agosto de 2001, poucos dias antes de completar 89 anos. Seu corpo foi
cremado e as cinzas enterradas junto às raízes de uma velha mangueira, no
jardim de sua casa, ao lado de um banco onde costumava descansar, à tarde, em
companhia de Zélia.
A consagração e a
recusa da glória
Ao longo das
décadas, os livros de Jorge Amado foram traduzidos e editados em mais de
cinqüenta países. Seus personagens viraram nomes de ruas, batizaram
estabelecimentos comerciais e foram associados a marcas de vários produtos. O
escritor foi tema de desfiles de Carnaval, freqüentou rodas de capoeira,
envolveu-se com questões ambientais e teve suas histórias recriadas por
trovadores populares ligados à poesia de cordel.
Além do
reconhecimento que o fardão de imortal da Academia Brasileira de Letras
proporcionou, o escritor recebeu o título de doutor honoris causa em
universidades européias e centenas de homenagens ao longo da vida. Mas
orgulhava-se sobretudo das distinções concedidas no universo do candomblé.
Não à toa, o
romancista escolheu o orixá Exu, desenhado pelo amigo Carybé, como marca
pessoal. Trata-se de uma figura da mitologia iorubá que simboliza o movimento e
a passagem. Exu está associado à trangressão de limites e fronteiras. A escolha
indica tanto a filiação à cultura popular mestiça baiana como a valorização da
arte de transitar entre universos sociais e culturais diferentes.
Apesar de sua
amizade com personalidades de destaque -
como Pablo Neruda, Mario Vargas Llosa, Oscar Niemeyer, Darcy Ribeiro e Gabriel
Garcia Márquez - e do amplo reconhecimento de sua obra, Jorge Amado recusava
pompa ou grandeza à sua trajetória de vida. Diz ele em Navegação de cabotagem:
“Aprendi com o povo e com a vida, sou um escritor e não um literato, em verdade
sou um obá”. E mais adiante, anota: “Não nasci para famoso nem para ilustre,
não me meço com tais medidas, nunca me senti escritor importante, grande homem:
apenas escritor e homem”.
Disponível em <http://www.jorgeamado.com.br/vida.php3?pg=2>, acessado em 24 de abril de 2012
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