quarta-feira, 2 de maio de 2012

diario de dora


   POR: ALANA MOTA

   COMO ME TORNEI UM CAPITÃO DA AREIA


 Não fazia muito tempo que eu tinha perdido meu pai, ainda me lembrava  todas as noites, como ele chegava em casa e o Zé fuinha corria e pulava no colo dele, às vezes ele trazia um saquinho de balas de menta pra mim e pro meu irmão,era engraçado ver como isso fazia a gente ficar feliz pelo resto da semana.
     Foi tudo muito rápido, a bexiga chegou e tirou meu pai de mim. Não me dei o direito de chorar, minha mãe e meu irmão precisavam que eu fosse forte, já tinha tristeza demais naquela casa e a gente tinha que seguir em frente, ou pelo menos era pra ter sido assim...
     Mal tinha levado o meu pai e agora essa maldita doença veio levar minha mãe também. Eu não tinha mais esperança, sabia que minha mãe não iria aguentar por muito tempo, mas eu queria que meu irmão ficasse ao lado dela o máximo que pudesse, ele ainda era tão pequeno e já estava sofrendo tanto... Queria que esses últimos momentos com ela ficassem na nossa memória, e assim foi...
     Depois da morte de minha mãe os vizinhos nos ajudavam muito, levavam comida, roupas, às vezes o Zé ganhava até uns brinquedos usados das outras crianças, ele ficava na maior alegria, mas não dava pra viver dependendo da ajuda dos outros, foi aí que eu decidi procurar algum serviço nas casas onde minha mãe trabalhava, mas ninguém queria por perto uma filha de bexiguentos.
     O tempo foi passando e as ajudas foram diminuindo cada vez mais, até que não dava mais pra viver com o que a gente conseguia, me vi tendo que sair de casa e ir para as ruas com meu irmão, juntamos umas poucas coisas que nós tínhamos e saímos andando sem saber direito pra onde ir, eu tentava achar um trabalho, mas os donos da lojas não queriam uma criança atrapalhando seus negócios.
     O Zé já não aguentava mais andar, eu pedi a ele que sentasse e esperasse por mim, que eu ia atrás de alguma coisa pra gente comer. Fui a uma padaria e o dono até que me tratou bem, ele me deu uns dois pães pra eu dividir com meu irmão, eu voltei pro lugar onde eu tinha deixado o Zé e o vi com mais dois meninos, lembro que ele olhava pra o desenho que um dos meninos fazia, fui pegar ele pra gente ir embora, mas deu pra ver que aqueles meninos também estavam com fome, então eu sentei e dividi os pães para nos quatro.
     Foi um verdadeiro banquete para aquelas barrigas vazias, conversamos o tempo todo, um dos meninos, o que desenhava, se chamava professor o outro chamava João grande, devia ser pelo seu tamanho, o professor convidou a mim e ao meu irmão pra passarmos a noite no lugar onde eles moravam, foi assim que eu fui parar no “Trapiche”.
     O lugar era bem esquisito na verdade, era bem escuro e bagunçado, mas a vista era linda ficava de frente pro mar, a maresia me trazia várias lembranças; o professor me ofereceu o cantinho onde ele dormia pra que eu pudesse ficar com meu irmão, mas era proibido levar garotas para aquele lugar, soube disso assim que os outros meninos começaram a chegar, eles partiram pra cima de mim e começaram a brigar entre si, o professor tomou logo a frente para me defender, João grande fez o mesmo, chegou até a apontar uma faca para os seu irmãos, tudo isso por mim.
     Foi ai que ele chegou, dando ordem pra que todos parassem de brigar, a reação do bando foi imediata, naquele momento eu tive certeza de que era ele o chefe do bando, todos tentavam explicar ao mesmo tempo o que estava acontecendo e no meio de toda a confusão eu ouvi um dos meninos o chamar de Pedro bala.
     Ele ouviu a versão do professor, e acho que reparou o medo nos meus olhos, ele deixou eu ficar no lugar mas só por uma noite,mas essa noite passou e depois dela vieram outras e eu ainda continuava no trapiche, já tinha me tornado a irmã e a mãe daqueles meninos sem família, eu já tinha me tornado parte do bando, já tinha me tornado uma capitã da areia...

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