quarta-feira, 9 de maio de 2012

Diário do Professor

Por Gleicy Kelly


Me chamo João José, mas me conhecem como "Professor". Costumo ser um pouco mais informado que os outros, acho que é por isso. Sempre me perguntam o porquê disso, como fazer aquilo, e para alegria de todos, tenho sempre uma resposta. 
     Não lembro-me claramente da minha infância, quando eu tento, só consigo ver flashes. Imagens vagas passam pela minha cabeça, como as várias manhãs iguais, quando eu bem pequeno, estudava em uma escola primária e improvisada que ficava no interior da Bahia, aprendi algo lá. Consigo também lembrar que sempre gostei de fazer desenhos, eu rabiscava tudo que encontrava pela frente, folhas, móveis e até paredes. Brigavam comigo por conta disso. 
     Eu tive uma mãe, talvez duas, me lembro de sentir grande afeto por duas mulheres, ambas me parecem iguais, por isso não sei se eram uma só, ou duas, sei lá. No final das contas, sobre a minha origem só sei parte do meu nome, e que fui parar em um orfanato em Salvador quando fiquei mais velho. Um orfanato sujo, onde a comida não eram das melhores, me tratavam feito um animal. Disso eu me lembro perfeitamente. Lá era proibido qualquer coisa que me fizesse bem, eu tenho raiva até hoje, mas aprendi a engolir o choro, e os sapos que a vida me proporcionam. Chamam isso de calma, eu de estratégia. Não se pode perder o controle nesse mundo de cão.
     Fugi na primeira oportunidade que eu tive, quero dizer, tive várias oportunidades, tudo era lá era em péssimas condições, mas eu tinha que fazer direito para não ser pego. Passei umas duas semanas planejando minha liberdade, prestei atenção em toda a rotina daquele lugar. E percebi que não seria difícil fugir. As pessoas me olhavam, mas nunca prestavam atenção em mim. Esperei até o " dia da liberdade ", não chamei assim porque foi o dia que fugi, é que nesse dia eles não brigavam com agente, não batiam, nem mandava agente ficar trancado em um quarto escuro, nesse dia o orfanato era limpo, os livros colocados nas pratilheiras, e fingíamos felicidade. Sempre esperando que um daqueles ricos metidos a gente boa, escolherem um de nós para fazer sei lá o quê na vida deles.
    O orfanato estava cheio, muito movimentado para a minha sorte, consegui me esconder atrás de um daqueles carros. Quando os portões foram abertos, simplesmente corri, corri até não aguentar mais, e sem olhar para trás. Vaguei por uns dias eu acho, tenho uma terrível ou maravilhosa mania de com o tempo, esquecer de coisas que não me fazem bem. Só sei que depois de tanto andar encontrei um menino alto, loiro e com o rosto marcado, me pareceu muito gentil, me ofereceu comida e disse que se eu quisesse poderia seguir ele, disse também que ao lado dele nunca me faltaria comida e diversão. Achei divertido mesmo, o que ele mais gostava era tirar daqueles o que um dia tanto esperei para ganhar. Bem e o resto vocês já sabem.
   Eu não lembrava de quase nada do que acabei de escrever. Tudo ficou claro quando eu peguei meu primeiro livro, a sensação de poder me tomou por completo quando consegui decifrar aqueles códigos, saber o que aquelas páginas diziam. Tudo começou a fazer sentido, quando eu fui livre outra vez, para rabiscar. E agora, não havia ninguém para brigar comigo.

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